João Café Filho (1899-1970), como
se sabe, foi o Vice-presidente de Getúlio Vargas, que assumiu o governo após a
sua morte, governando de 1954 a 1955. Ao contrário da maioria dos Presidentes
de sua época, esse literalmente vestiu a camisa de um time e foi a campo. Nesse
sentido, um pioneiro.
Começou como goleiro do Cruz
Vermelha (Atheneu). Depois, foi goleiro do Alecrim FC. Não se sabe exatamente o
período. Alberto Medeiros diz que foi de 1916 a 1919, aproximadamente. Everaldo
Lopes diz que foi na década de 20.
Em seu próprio relato, Café Filho
diz que assumiu em campo “posições de defesa”, dando a entender que também
atuou na zaga. De qualquer modo, confessa, com bom humor, que:
“Nunca tive uma sorte absoluta,
mas apenas relativa, por assim dizer, compensadora dos meus fracassos. O
arqueiro que, certa vez, me substituiu, deixou que os adversários fizessem doze
goals contra o nosso time, enquanto eu deixara a bola passar nas traves apenas
dez vezes...”
Comprovada a sua inaptidão dentro
das quatro linhas, tentou a sorte fora delas: virou dirigente. Primeiro,
participou das primeiras diretorias do Alecrim. Depois, chegou a ser
vice-presidente do Centro Sportivo Natalense – que foi fundado às pressas, em 04.07.1918,
para fazer o número mínimo de clubes que a legislação exigia para criar a Liga
de Desportos Terrestres (apenas três clubes, com ABC e América), em 14.07.1918;
participou do primeiro campeonato da Liga e algumas temporadas posteriores, até
se licenciar e, em 1941, se transformar no CA Potiguar. No Natalense, organizou
um grupo feminino, em que acabou encontrando sua futura esposa.
Como dirigente, Café Filho marcou
seu maior gol antes mesmo de ser jogador! Foi ele quem organizou a primeira
partida interestadual do Rio Grande do Norte: ABC 1 x 4 Santa Cruz, que ocorreu
em 15.11.1916. Como foi essa façanha? Aos 17 anos de idade, Café Filho estudava
em Recife, onde fez amizade com o filho de um diretor do Santa Cruz e, com a
ajuda do Dr. Ramos Leal, médico influente no clube coral, conseguiu acertar a
partida. Foi um grande sucesso, que movimentou toda a sociedade natalense. No
entanto, foi proibido de assistir ao jogo pelo próprio pai, que era muito
austero. Como se vê em suas memórias, ele nunca o perdoou por isso.
A mais curiosa história de sua
curta carreira de dirigente é assim narrada por ele:
“Uma ocasião, em Caruaru,
Pernambuco, o clube que [eu] então liderava sofreu uma derrota tão vergonhosa
ao jogar contra o time local, que não esperamos o dia seguinte para sair da
cidade. Embarcamos, de madrugada, como uma espécie de fugitivos, em um trem de
carga, aturdidos e às pressas, varridos pela onda dos comentários sarcásticos
dos caruaruenses.”
Depois de tantas peripécias, saiu
do futebol para entrar na política. Considerando que chegou à Presidência da
República, pode-se dizer que, como goleiro, foi um bom político.
Foi o único ex-dirigente de
futebol que chegou à Presidência? Certamente, não. Descontados os Presidentes
da República que também foram Presidentes de Honra de alguns clubes, porque a
rigor não são dirigentes, é preciso lembrar que Fernando Collor de Mello foi
Presidente do CSA, de setembro de 1973 a agosto de 1974, conquistando o
campeonato alagoano deste ano e uma vaga na primeira divisão do Campeonato
Brasileiro.
E Café Filho foi o primeiro
Presidente da República a jogar futebol? Tudo indica que sim. O que não
significa que outros Presidentes não tenham batido bola. E não foi só Lula.
P.ex., Medici foi atacante do Grêmio de Bagé (cf. Marcos Guterman), um “bom
jogador de futebol, desde Porto Alegre” até a Escola Militar do Realengo (cf.
depoimento de Geisel). O general Aurélio de Lyra Tavares, integrante da Junta
Militar que assumiu durante a enfermidade de Costa e Silva, foi jogador do
futebol amador do Fluminense.
João Goulart também jogava
futebol. Começou no recreio do Ginásio Santana, em Uruguaiana (RS), em regime
de internato. Jango jogava no time dos mais velhos, de nome “Esperanza”, onde
atuava no meio campo, abrindo as jogadas para os companheiros avançarem.
Segundo Jorge Ferreira, Jango era um jogador habilidoso. Tanto que, na década
de 30, foi campeão juvenil pelo Internacional de Porto Alegre, até abandonar o
futebol devido a uma contusão.
Outro Presidente a jogar futebol foi
Tancredo Neves. No tempo de colégio, em São João Del Rey, ele já praticava o
esporte bretão, como se vê nesse depoimento:
“A diversão maior era o futebol.
O futebol que era travado com o maior entusiasmo, até com torcida no adro da
Igreja, e aí todos nós dividíamos em times antagônicos e cada qual mostrava as
suas habilidades, de acordo com as suas aptidões.”
A propósito, aparentemente, o
clube cuja camisa foi vestida por mais Presidentes (não só para fotografias,
mas para competição mesmo) foi o América mineiro. Além de Juscelino Kubitschek,
que fez natação e jogou basquete lá, o clube teve Tancredo, que jogou futebol.
Sem contar Lula, que, em 15.06.2003, disputou uma pelada no Alvorada usando a
camisa do Coelho, cf. foto de Ricardo Stuckert publicada na Folha de S. Paulo.
Texto de: Laércio Becker, de Curitiba-PR
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