Gurgel, a montadora que surgiu de um sonho bem
brasileiro
Autor: Joao Batista de Souza
Marcadores: Automóveis
Fonte: Leitura Social - http://www.leiturasocial.com.br/
Editado Por: Jony Edson - Ele Participa do Site Leitura Social
Gurgel. Um nome que é reverenciado
por muitos no Brasil é a síntese do sonho de uma montadora totalmente
nacional. Enquanto muitos países ? alguns tão pequenos quanto os menores
estados brasileiros e outros com mercados inferiores aos de algumas de nossas
grandes cidades ? possuem suas próprias marcas, o Brasil ainda se recente da
falta de um fabricante de automóveis de capital e origem nacionais.
João
Augusto Conrado do Amaral Gurgel era um dos brasileiros que desejavam ver uma
marca nacional estampada em veículos feitos em solo pátrio, oferecendo ao
consumidor um produto que, dentre outras características, ele poderia
orgulhar-se de ter na garagem. E foi assim que tudo começou para a Gurgel, um
sonho.
Em
26 de março de 1926, nascia em Franca, interior de São Paulo, um menino que
iria ficar para sempre na história do automóvel no Brasil e no mundo. Desde
jovem, o João sempre sonhou com um carro nacional. E foi essa ideia que o fez
entrar na Escola Politécnica de São Paulo.
Quando
se formou, o jovem Gurgel já mostrou que queria materializar seu objetivo com
um protótipo de automóvel com motor de dois cilindros, chamado simplesmente
de Tião. Este pode ser considerado o primeiro de muitos carros que João
fabricaria nos anos seguintes. O projeto foi um desafio para o formando, pois
era originalmente obrigado a fazer um guindaste e recebeu de seu professor
uma dica nada agradável: ?Carro não se fabrica, Gurgel, se compra?.
Logo
depois, João Conrado vai para os EUA, onde trabalha na Buick e na GM Truck
and Coach. Em seu retorno, ele abre a Moplast Moldagem de Plásticos a fim de
abastecer a cadeia de autopeças brasileira e desenvolveu alguns projetos,
especialmente os relacionados com carrocerias de fibra de vidro.
O
tempo passou e João Conrado começou a produzir mini veículos para crianças,
karts e alguns protótipos de carros elétricos. Ainda assim, João queria mesmo
é fabricar automóveis e seu passo definitivo nessa jornada seria dado em
1969, quando funda em Rio Claro, também no interior de São Paulo, a Gurgel
Motores S/A.
Gurgel
Motores S/A
A
primeira aparição pública de um produto Gurgel ocorreu em 1966, anos antes de
iniciar a empresa de fato. Foi no Salão do Automóvel com um bugue feito sobre
mecânica Volkswagen, chamado Ipanema. Outro modelo criado foi o utilitário
Xavante XT, cuja produção começou em 1970. Ao contrário do anterior, era
fabricado com chassi de aço tubular e plástico feito pela própria empresa e
chamado Plasteel, além de carroceria de fibra de vidro, que seria o material
mais usado pela recém-criada montadora brasileira ao longo de sua história.
Gurgel
sempre pensava além de sua época e os veículos elétricos eram uma prova de
que no futuro este segmento alcançaria níveis mundiais. Em 1974, João Conrado
cria o modelo Itaipu, cujo nome era uma homenagem à maior hidrelétrica do
mundo na ocasião, feita entre o Brasil e o Paraguai. O veículo originou mais
tarde o E400 em 1980, que também derivou o G800 a gasolina.
Com
a Crise do Petróleo, Gurgel deu ênfase ao projeto dos elétricos, mas não
podia deixar os carros a gasolina de lado. O projeto Xavante obrigou o
Exército Brasileiro a testa-lo e logo depois surgiu o X-12. Com partes da
estrutura em plástico reforçado com fibra de vidro, dando assim leveza ao
conjunto, aliado à boa mecânica Volkswagen, fez do utilitário um sucesso.
O
EB encomendou um grande lote e o mercado aceitou bem o Xavante X-12. Ele
chegou a equipar também unidades de polícias militares alguns anos depois.
Com as restrições à importação de veículos a partir de 1976, a Gurgel ganhou
grande impulso nas vendas, pois havia pouca concorrência para seus produtos.
Com
a mudança para uma fábrica maior em Rio Claro, feita em 1973, a Gurgel
Motores avançou mercado brasileiro adentro. Em 1976, lançou o Xavante X-12
TR, que tinha uma garantia de 100.000 km, algo impensável naquela época. Logo
depois, a empresa passou a ser o primeiro exportador de veículos especiais do
Brasil, ganhando notoriedade no exterior.
Foco
também em elétricos
Em
1979, Gurgel expõe no Salão de Genebra toda sua linha de produtos. A picape
cabine dupla X-15 e a picape cabine simples X-20 foram lançados nesse ano.
Com a era Proálcool, João Conrado teve de aceitar os desejos dos clientes e
oferecia versões à álcool, mesmo sendo contra o etanol.
Apesar
da boa aceitação no mercado, o Exército Brasileiro era o maior cliente da
Gurgel. Além disso, o foco nos elétricos fez com que João Conrado inaugurasse
uma fábrica nova para produção de veículos movidos por energia elétrica em
1980. O primeiro a ser fabricado em série foi o Itaipu E-150, mas o alto
custo das baterias e a autonomia reduzida, só conseguiu clientes em
concessionárias de energia e logo sai de linha.
Com
10 modelos em 1980, a Gurgel Motores só perdia em quantidade de funcionários
para a Puma, que além de esportivos, fabricava caminhões leves. Em 1982,
surge o G800, que teve versões picape, furgão e passageiro, sendo adquirido
também por muitas prefeituras pelo Brasil. O veículo tinha mecânica VW a ar.
No mesmo ano, a empresa lançava o XEF, um pequeno carro de dois lugares com
estilo inspirado nos carros da Mercedes-Benz, desejados pelos brasileiros,
mas estes eram proibidos de ter um carro importado. A base era da VW
Brasília.
Um
grande salto tecnológico para a Gurgel ocorreu em 1984, quando João
apresentou o Carajás. Ele foi o maior utilitário da marca brasileira e nasceu
com uma configuração inédita no país e pouco vista no mundo, exceto pelos
alemães de VW e Porsche. O motor era o AP 1.8 a gasolina ou álcool usado no
Santana. Ele também utilizava um 1.6 diesel de 50 cv da Kombi.
No
entanto, o Carajás tinha motor dianteiro em longitudinal e Gurgel queria a
tração traseira. Então, ele lançou mão da configuração usada no Porsche 924,
que era ter propulsor/embreagem na frente e transmissão no eixo traseiro,
utilizando-se semieixos para tração. O projeto usava um tubo de torque (cardã
interno) e assim obteve relação de peso 50:50. Havia também bloqueio de diferencial
para mudança de força entre as rodas.
O
Carajás mostrou a capacidade do engenho de Gurgel em inovar dentro de um
mercado dominado por quatro grandes fabricantes e isolado comercialmente do
resto do planeta. O isolamento do Brasil foi benéfico para a empresa, pois
suprimia a concorrência estrangeira. Além disso, a mecânica Volkswagen era
essencial para o desenvolvimento de novos produtos da marca.
BR-800
No
entanto, João Conrado não estava satisfeito em ter apenas uma montadora de
capital 100% nacional, queria ter um carro genuinamente brasileiro. Assim, em
1987, surgiu o projeto CENA (Carro Economico NAcional). O lançamento foi
bastante patriótico, pois ocorreu exatamente em 7 de setembro.
A
data era uma referência clara à independência do consumidor brasileiro em
relação às montadoras, pois o projeto era de um carro urbano econômico e
totalmente nacional. O nome do projeto também fazia o brasileiro lembrar do
piloto Ayrton Senna, que já era ídolo na época. Feito em uma estrutura que
mesclava aço, plástico e fibra de vidro, o veículo era pequeno e ágil.
A
motorização original era composta por um boxer dois cilindros refrigerado à
água de fabricação e projeto próprios, chamado Enertron, que ainda utilizava
componentes já fabricados na indústria nacional. Podia ter 26 cv ou 32 cv. Em
1988, o CENA deu origem ao BR-800, a versão comercial que custava US$ 7.000.
A
ideia original era fazer o BR-800 custar US$ 3.000, mas não deu certo, apesar
da ajuda do governo com redução de IPI para 5% (o normal era 25%), o que
resultou em um carro com mais do dobro da proposta inicial. Ainda assim, o
modelo era 30% mais barato que os demais concorrentes.
A
Gurgel iniciou a maior campanha de marketing de sua história para convidar o
consumidor brasileiro a ser sócio da empresa, pois era a única forma de
aquisição do BR-800. Ele até chegou a usar a imagem de Henry Ford para buscar
interessados. Em torno de 8.000 pessoas atenderam ao desafio de João Conrado.
Cada cliente-sócio pagou US$ 7.000 pelo BR-800 e mais US$ 1.500 por cada
ação, totalizando 10.000 ações.
Além
disso, os proprietários de tornaram avaliadores dos veículos adquiridos,
relatando defeitos e outros pormenores para que a empresa providenciasse
ajustes no projeto. Em 1991, mais de 5.000 estavam sendo testados dessa
forma. Nesse ano surgia o Motomachine, um pequeno urbano derivado do BR-800 e
que tinha como destaque portas translúcidas, criando um estilo mais jovial e
despojado.
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